CSM/SP: Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento – Circunstâncias do caso que não permitem concluir pela existência de compra e venda definitiva – Incidência do § 6º do art. 26, da Lei nº 6.766/1979 – Desnecessidade de escritura pública para a transmissão do domínio – Óbice afastado – Apelação provida.


  
 

Apelação nº 1003014-31.2021.8.26.0101

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1003014-31.2021.8.26.0101

Comarca: CAÇAPAVA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1003014-31.2021.8.26.0101

Registro: 2023.0000197940

ACÓRDÃO– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003014-31.2021.8.26.0101, da Comarca de Caçapava, em que é apelante JAQUES ROSA FÉLIX, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CAÇAPAVA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de março de 2023.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1003014-31.2021.8.26.0101

APELANTE: JAQUES ROSA FÉLIX

APELADO: OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE CAÇAPAVA

VOTO Nº 38.942

Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento – Circunstâncias do caso que não permitem concluir pela existência de compra e venda definitiva – Incidência do § 6º do art. 26, da Lei nº 6.766/1979 – Desnecessidade de escritura pública para a transmissão do domínio – Óbice afastado – Apelação provida.

Trata-se de apelação interposta por Jaques Rosa Félix contra a r. Sentença, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protesto de Letras e Títulos de Caçapava, que manteve a recusa de registro do instrumento particular de compromisso de compra e venda sob o fundamento de que é necessária a lavratura de escritura pública (fls. 74/76).

Alega o apelante, em síntese, que os arts. 26 e 26-A, da Lei nº 6.766/1979, garantem aos compromissários compradores a realização do registro da transferência da propriedade independentemente da lavratura de escritura pública, certo que a dispensa também vale para o compromisso da compra e venda do imóvel mediante pagamento do preço à vista. Ressalta que a lei não diferencia as hipóteses de pagamento à vista ou a prazo, apenas exigindo, para registro do instrumento particular, que o imóvel seja adquirido diretamente da loteadora (fls. 79/85).

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 117/118).

É o relatório.

Pretende o apelante o registro do instrumento particular de compromisso de venda e compra, datado de 10 de junho de 2021, tendo por objeto o lote de terreno nº 04, da quadra 35, do Loteamento Residencial Terras do Vale, matriculado sob nº 30.634 junto ao Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Civil de Pessoas Jurídicas e Tabelião de Protestos de Letras e Títulos de Caçapava, em que figuram como promitente vendedora a loteadora Alpha Vale do Paraíba Empreendimentos Imobiliários Ltda. e, como promitente comprador, o ora apelante (fls. 07/25). O ingresso do título no fólio real foi negado pelo registrador, que expediu Nota de Devolução nos seguintes termos (fls. 31):

“No instrumento particular apresentado consta em seu item VIII, da “Forma de Pagamento”, do Quadro Resumo que o pagamento do imóvel é feito no ato da assinatura do contrato, “À VISTA”, não caracterizando um compromisso de compra e venda conforme os Art.26 e Art. 26-A, da Lei 6.766/79.Apresentar escritura pública lavrada no 1º Cartório de Notas de Caçapava, conforme consta no item 4 do Termo de Quitação”.

Consiste a controvérsia em saber se o título examinado pode ou não dar causa à transmissão do domínio, o que negaram a r. sentença e a nota devolutiva, julgando, ambas, que esse instrumento não se enquadra na espécie do § 6º do art. 26, da Lei nº 6.766/1979, por não constituir verdadeiro e próprio contrato de compra e venda.

Em que pese às razões do r. decisum e, antes dele, do Oficial de Registro de Imóveis, a resposta é afirmativa, ou seja: deve-se permitir o registro stricto sensu, tal como almejado.

Dispõe a Lei nº 6.766/1979:

Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:

I – nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes;

II – denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;

III – descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características;

IV – preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;

V – taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;

VI – indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado;

VII – declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

(…)

§ 6o Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.

Como revela a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, a regra desse § 6º se aplica quando tenha havido loteamento e o compromisso, quitado, haja sido celebrado pelo próprio loteador (Apelação Cível nº 036475-31.2020.8.26.0100, Rel. DES. RICARDO ANAFE, j. 06.10.2020; cf. também Apel. Cív. n. 1007897-24.2021.8.26.0100, j. 30.07.2021), contanto que o empreendimento (popular ou não, pouco importa (Apel. Cív. 0012160-45.2010.8.26.0604, Rel. DES. MAURÍCIO VIDIGAL, j. 06.10.2011) esteja regularizado (Apel. Cív. 1025260-34.2015.8.26.0100, Rel. DES. PEREIRA CALÇAS, j. 25.02.2016).

No caso, esses pressupostos estão preenchidos, pois o imóvel em questão realmente decorre de loteamento regular (fls. 26/28) e o compromisso de compra e venda foi avençado entre o apelante e o loteador (fls. 07).

As exigências postas pela nota devolutiva e confirmadas pela r. sentença, entretanto, não decorrem da lei e, bem por isso, não podem ser mantidas. O texto legal fala em preço, prazo, sinal, taxa de juros e cláusula penal (incisos IV e V do art. 26), é verdade, mas a sua letra não exige um determinado número de parcelas.

Ademais, como ensina Francisco Eduardo Loureiro (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. 11ª ed. Barueri: Manole, 2017, p. 1.409), o compromisso de compra e venda tem hoje funções múltiplas e variadas, desde aquela de verdadeiro e próprio negócio preliminar (Cód. Civil, arts. 462-466), até a de instrumento de garantia de recebimento do preço (verdadeira garantia retida, como diz Fábio Rocha Pinto e Silva, em “Não exoneração da responsabilidade pessoal do devedor na excussão da alienação fiduciária de imóveis”in Alienação Fiduciária de Bem Imóvel 20 Anos da Lei nº 9.514/1997 – Aspectos Polêmicos. São Paulo: Lepanto, 2018, p. 230 e 233), do que decorre admitir-se o seu amplo emprego e, portanto, a incidência do dito § 6º do art. 26 ainda que não exista, no negócio jurídico, uma prestação desdobrada em muitas parcelas, como ocorre na hipótese.

O compromisso de compra e venda, cumpre lembrar, é espécie de contrato preliminar por intermédio do qual as partes, ou uma delas, comprometem-se a celebrar adiante o contrato definitivo de compra e venda. É negócio de segurança, que objetiva conferir garantias às partes quanto à relação substancial futura. Sobre as diferenças entre o contrato preliminar e o definitivo, o Egrégio Conselho Superior da Magistratura, nos autos da apelação cível nº 37.727-0/3, relatada pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Márcio Bonilha, assim se manifestou: “Sabido que a natureza e o tipo do contrato fixam-se por seu conteúdo e não pela denominação, ou rótulo, que lhes deram as partes contratantes. Conceitua-se o contrato preliminar como aquele por via do qual ambas as partes se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será o contrato principal. Diferencia-se do contrato principal pelo objeto, que no preliminar é a obrigação de concluir outro contrato, enquanto que o do definitivo é uma prestação substancial (Francesco Messineo, Dottrina Generale Del Contrato, pág. 207)” (Ap. Cível n° 37.727-0/3, Rel. Des. Márcio Bonilha).

O contrato de promessa de compra e venda, de natureza imobiliária, tem sido conceituado como um acordo de vontades por meio do qual as partes se obrigam a efetuar, nas condições estabelecidas e de acordo com os preceitos legais, uma escritura definitiva de compra e venda, após o pagamento do preço ajustado, tal como ocorre no caso em análise.

E muito embora, no caso concreto, o pagamento tenha sido feito em uma única parcela, as partes se comprometem a finalizar, a posteriori, o contrato de compra e venda, mediante futura outorga de escritura definitiva (cláusula 14ª, fls. 20). Como todo contrato preliminar, a promessa de compra e venda gera uma obrigação de fazer, que se executa mediante a formalização do contrato definitivo. A prestação a que as partes estão obrigadas é, assim, o fato da realização da compra e venda.

Enfim, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete criar distinções. O compromisso foi regularmente celebrado e, presentes as demais condições de incidência da Lei nº 6.766/1979, já apontadas, não há como supor simulação ou má fé para impedir o registro, tal como foi rogado. Em hipótese semelhante, já ficou decidido que:

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – TÍTULO PARTICULAR – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM LOTEAMENTO – CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO QUE NÃO PERMITEM CONCLUIR PELA EXISTÊNCIA DE COMPRA E VENDA DEFINITIVA – INCIDÊNCIA DO § 6º DO ART. 26, DA LEI N. 6.766/1979 – DESNECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA PARA A TRANSMISSÃO DO DOMÍNIO – APELAÇÃO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA REFORMAR A R. SENTENÇA E AFASTAR O ÓBICE. (TJSP; Apelação Cível 1034047-85.2021.8.26.0506; Rel. DES. FERNANDO TORRES GARCIA (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Ribeirão Preto – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/09/2022; Data de Registro: 13/09/2022).

Por conseguinte, havendo previsão legal que dispensa a lavratura de escritura pública no caso concreto, há que ser afastado o óbice imposto pelo Oficial, para deferir a lavratura do registro stricto sensu, como rogado. Nesse sentido:

Registro de imóveis – Compromisso particular de compra e venda – Pagamento do preço à vista que, no caso concreto, não desnatura a natureza preliminar do contrato, pois ajustada a finalização, a posteriori, da compra e venda, mediante outorga de escritura definitiva – Promessa de venda que não opera a transferência do domínio – Inexistência de previsão formal para as obrigações de fazer, que podem assumir a forma pública ou particular – Óbice afastado – Dúvida improcedente – Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 0006924-04.2019.8.26.0344; Relator (a): Pinheiro Franco (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de Marília – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça

Relator.

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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