Registro de Imóveis – Loteamento – Pedido de averbação de termo de quitação de compromissos de compra e venda por parte da loteadora, para repercussão frente a obrigações tributárias e condominiais – Art. 167, inciso II, Item 32, da Lei 6.015/1973, com a redação trazida pela Lei nº 13.465/2017 – Inovação legislativa que relativizou o princípio da continuidade – Recurso provido.

Número do processo: 1006694-78.2018.8.26.0602

Ano do processo: 2018

Número do parecer: 391

Ano do parecer: 2019

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1006694-78.2018.8.26.0602

(391/2019-E)

Registro de Imóveis – Loteamento – Pedido de averbação de termo de quitação de compromissos de compra e venda por parte da loteadora, para repercussão frente a obrigações tributárias e condominiais – Art. 167, inciso II, Item 32, da Lei 6.015/1973, com a redação trazida pela Lei nº 13.465/2017 – Inovação legislativa que relativizou o princípio da continuidade – Recurso provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por PALAMIDESE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA., insurgindo-se contra a r. sentença de fls. 64/68, que julgou improcedente o pedido de providências e manteve a negativa de averbação de termos de quitação em diversas matrículas a serem abertas em decorrência do Loteamento Jardim Reserva Ipanema junto ao 1º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sorocaba.

Sustenta a total possibilidade das averbações buscadas, dentro da melhor interpretação do item 32, do inciso II, art. 167 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), tendo em vista que o referido dispositivo cuida de três situações distintas, compromisso de compra e venda entre particulares, entre particulares e loteadora em empreendimentos regularizados e aquelas situações de regularização fundiária. Tratando-se de loteamento regularizado, haveria previsão para a referida averbação, independentemente de prévio registro dos compromissos.

É o relatório.

Opino.

Presentes os pressupostos processuais e administrativos, no mérito, salvo melhor entendimento de Vossa Excelência, o recurso comporta provimento.

A recorrente prenotou (protocolo nº 466.605) pedido de averbação, em diversas matrículas a serem abertas no Loteamento Jardim Reserva Ipanema, por ela implementado, dos respectivos termos de quitação para fins de exoneração da sua responsabilidade sobre tributos municipais incidentes sobre tais lotes, com fulcro no artigo 167, II, 32, da Lei de Registros Públicos.

Discute-se se o registro dos respectivos compromissos de compra e venda seria condição necessária para a posterior averbação das quitações, sob a ótica do referido Item 32 do art. 167, II, da Lei 6.015/1973, introduzido pela recente Lei nº 13.465/2017:

Art.167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

(…)

II – a averbação:

(…)

32 – do termo de quitação de contrato de compromisso de compra e venda registrado e do termo de quitação dos instrumentos públicos ou privados oriundos da implantação de empreendimentos ou de processo de regularização fundiária, firmado pelo empreendedor proprietário do imóvel ou pelo promotor do empreendimento ou da regularização fundiária objeto de loteamento, desmembramento, condomínio de qualquer modalidade ou de regularização fundiária, exclusivamente para fins de exoneração da sua responsabilidade sobre tributos municipais incidentes sobre o imóvel perante o Município, não implicando transferência de domínio ao compromissário comprador ou beneficiário da regularização.

A interpretação dada pelo Sr. Oficial, ao negar o ato de averbação, sem dúvida alguma, é correta, se considerados os pilares do registro imobiliário, dentre eles, o Princípio da Continuidade.

Entretanto, não há como ser negado que a redação dada pela novel legislação, dentre tantas outras inovações, trouxe uma mitigação ao referido princípio, não implicando, contudo, transferência de domínio ao compromissário comprador ou beneficiário da regularização.

Mesmo em loteamentos regulares, como é o caso, a nova regra afirma que caberá a averbação do termo de quitação do contrato de compromisso de compra e venda exclusivamente para fins de exoneração da responsabilidade do empreendedor proprietário do imóvel, promotor do empreendimento ou da regularização fundiária objeto de loteamento, desmembramento, condomínio de qualquer modalidade ou de regularização fundiária sobre tributos municipais incidentes sobre o imóvel.

Independentemente de eventuais discussões a respeito da inconstitucionalidade dessa inovação legislativa (lei federal ordinária, e não complementar, exonerando o sujeito passivo de obrigação tributária municipal; ofensa ao princípio da continuidade etc.), não se pode negar que ela cria hipótese liberativa de obrigação tributária frente ao município e deve ser cumprida, até que haja, em tese, manifestação jurisdicional em sentido contrário.

Dessa forma, caberá a averbação, que deverá ser feita na modalidade sem valor declarado, cujo teor deverá reproduzir o texto expresso da lei, ou seja, que se trata de inscrição “exclusivamente para fins de exoneração de responsabilidade sobre tributos municipais incidentes sobre o imóvel perante o Município, não implicando transferência de domínio ao compromissário comprador ou beneficiário da regularização”.

Não deve ser esquecido que, sem embargo à referida inovação trazida pela Lei nº 13.465/2017, há recente julgado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, em acórdão de relatoria do MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, que fixou tese sobre a exclusão de responsabilidade tributária do compromissário vendedor, em compromissos não levados a registro em condomínios edilícios:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART 543– C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE VENDEDOR OU PROMISSÁRIO COMPRADOR. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. IMISSÃO NA POSSE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC, firmam-se as seguintes teses: a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do condomínio acerca da transação. b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto. c) Se ficar comprovado: (i) que o promissário comprador se imitira na posse; e (ii) o condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador. 2. No caso concreto, recurso especial não provido. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.345.331-RS, MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 08 de abril de 2015).

Nesse cenário, as razões recursais devem ser acolhidas, face à inovação legislativa trazida pela Lei nº 13.465/2017, com o provimento do recurso para viabilizar as averbações buscadas, na forma acima delineada.

Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é para que seja dado provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 31 de julho de 2019.

Paulo César Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos, que adoto, e dou provimento ao recurso, para viabilizar as averbações buscadas, na forma delineada no parecer. São Paulo, 02 de agosto de 2019. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: LÁZARO PAULO ESCANHOELA JÚNIOR, OAB/SP 65.128 e RICARDO FRANCISCO ESCANHOELA, OAB/SP 101.878.

Diário da Justiça Eletrônico de 08.08.2019

Decisão reproduzida na página 151 do Classificador II – 2019

Fonte: INR Publicações

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Responsabilidade Civil – Fazenda do Estado – Danos materiais – Fraude praticada por estelionatário, que, fazendo-se passar pelo proprietário de imóvel e munido de documento de identidade falso, outorgou procuração pública para que outro indivíduo alienasse o bem à autora – Dano sofrido pela autora consistente na quantia que pagou ao espólio do legítimo proprietário, por força de acordo celebrado nos autos de ação anulatória de registro ajuizada por este – Responsabilidade objetiva do Estado pelos atos dos tabeliães – Possibilidade – Tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 842846 (Tema 777 de repercussão geral) – Impossibilidade, porém, de responsabilização do Estado no caso concreto, diante da ausência de nexo causal entre o dano sofrido pela autora e a conduta do tabelião – Agentes públicos que adotaram todas as cautelas necessárias à verificação da autenticidade da documentação – Estelionatário que apresentou documento de identidade expedido em data recente, com foto e sem rasuras ou quaisquer sinais de inidoneidade – Falsificação que só poderia ser constatada por perícia – Dano causado exclusivamente pela conduta do terceiro falsário – Regularidade na atuação do Tabelião que afasta a responsabilidade objetiva do Estado – Precedentes desta 10ª Câmara e do Tribunal – Inexistência, ademais, de anuência da Fazenda do Estado ao acordo firmado nos autos de demanda em que ela não foi parte e de que decorreu o pagamento efetuado pela autora – Sentença que julgou procedente a ação – Recurso da Fazenda do Estado provido para julgá-la improcedente, invertidos os ônus da sucumbência.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1017388-16.2019.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados 2º TABELIÃO DE NOTAS E PROTESTOS DE LETRAS E TÍTULOS DE BAURU e TOTAL IMÓVEIS LTDA..

ACORDAM, em 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANTONIO CARLOS VILLEN (Presidente), ANTONIO CELSO AGUILAR CORTEZ E TORRES DE CARVALHO.

São Paulo, 1º de março de 2021.

ANTONIO CARLOS VILLEN

RELATOR

Assinatura Eletrônica

VOTO N.º 01/21

10ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO

APELAÇÃO N. 1017388-16.2019.8.26.0071

COMARCA: BAURU VARA DA FAZENDA PÚBLICA

APELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

APELADA: TOTAL IMÓVEIS EIRELI

JUIZ: JOSÉ RENATO DA SILVA RIBEIRO

RESPONSABILIDADE CIVIL. Fazenda do Estado. Danos materiais. Fraude praticada por estelionatário, que, fazendo-se passar pelo proprietário de imóvel e munido de documento de identidade falso, outorgou procuração pública para que outro indivíduo alienasse o bem à autora. Dano sofrido pela autora consistente na quantia que pagou ao espólio do legítimo proprietário, por força de acordo celebrado nos autos de ação anulatória de registro ajuizada por este. Responsabilidade objetiva do Estado pelos atos dos tabeliães. Possibilidade. Tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 842846 (Tema 777 de repercussão geral). Impossibilidade, porém, de responsabilização do Estado no caso concreto, diante da ausência de nexo causal entre o dano sofrido pela autora e a conduta do tabelião. Agentes públicos que adotaram todas as cautelas necessárias à verificação da autenticidade da documentação. Estelionatário que apresentou documento de identidade expedido em data recente, com foto e sem rasuras ou quaisquer sinais de inidoneidade. Falsificação que só poderia ser constatada por perícia. Dano causado exclusivamente pela conduta do terceiro falsário. Regularidade na atuação do Tabelião que afasta a responsabilidade objetiva do Estado. Precedentes desta 10ª Câmara e do Tribunal. Inexistência, ademais, de anuência da Fazenda do Estado ao acordo firmado nos autos de demanda em que ela não foi parte e de que decorreu o pagamento efetuado pela autora. Sentença que julgou procedente a ação. Recurso da Fazenda do Estado provido para julgá-la improcedente, invertidos os ônus da sucumbência.

Trata-se de ação de indenização ajuizada em face da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO por empresa imobiliária, que alega que o 2º Tabelião de Notas de Bauru, sem adotar as necessárias cautelas para a verificação de autenticidade de documentos, acabou por lavrar escritura pública de venda e compra de imóvel realizada mediante fraude procuração falsa lavrada no mesmo tabelionato que lhe causou prejuízos. A r. sentença julgou procedente a ação para condenar a ré a pagar à autora indenização no valor de R$70.000,00 (setenta mil reais), corrigido monetariamente pelo IPCA e acrescido de mora nos termos do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação conferida pela Lei nº 11.960/2009, e julgou improcedente a denunciação da lide feita ao 2º Tabelião (fls. 411/421).

A Fazenda do Estado apelou. Argui preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, alega que a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva e que não foi demonstrada a culpa do agente, nem o nexo de causalidade entre sua conduta e o dano sofrido. Daí a improcedência do pedido inicial. Acrescenta que, caso se considere devida a indenização, ela deverá corresponder ao valor da venda do imóvel, ou seja, R$ 15.000,00, e não R$ 70.000,00 quantia paga espontaneamente pela apelada ao espólio do legítimo proprietário do imóvel em razão de acordo, antes mesmo de qualquer condenação. Pede o provimento do recurso para que a ação seja julgada improcedente ou, se diverso o entendimento do Tribunal, seja julgada procedente também a denunciação da lide “para condenar o Tabelião a pagar o que a denunciante desembolsar, fixada a indenização no valor do negócio fraudulento (R$ 15.000,00)”, reduzida, ainda, a verba honorária.

Recurso tempestivo e respondido.

É O RELATÓRIO.

Não procede a preliminar de ilegitimidade passiva. O Estado é responsável pelos danos causados pelos seus agentes a terceiros, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. É evidente, portanto, a legitimidade passiva da Fazenda do Estado para a demanda, fundada na falha no serviço prestado pelo Tabelião, que, de acordo com o alegado na inicial, teria deixado de adotar as necessárias cautelas para a adequada verificação da autenticidade dos documentos apresentados para a lavratura de procuração e subsequente escritura de compra e venda de imóvel.

Quanto à questão de fundo, porém, a sentença comporta reforma.

De acordo com os elementos dos autos, em 01.04.2015, um indivíduo compareceu ao 2º Tabelião de Notas e Protesto de Letras e Títulos de Bauru, identificando-se como Aparecido Henrique dos Santos, e outorgou procuração pública para outro indivíduo, de nome Bruno Augusto da Silva, com poderes para vender o terreno de nº 5 da quadra nº 132 do loteamento Parque Jaraguá, em Bauru (fls. 67/68). Alguns dias depois, Bruno Augusto da Silva compareceu como procurador do proprietário ao mesmo Tabelião, que então lavrou escritura pública de compra e venda do referido imóvel, da qual constou como adquirente a autora (fls. 361/363).

O verdadeiro proprietário, Aparecido Henrique dos Santos, já havia falecido em 1997, conforme certidão de óbito de fl. 154. Diante da fraude perpetrada pelo estelionatário que se se fez passar por ele, o seu espólio, ajuizou ação de anulação do registro da compra e venda (processo n. 1014133-55.2016.8.26.0071, que tramitou perante a 2ª Vara Cível de Bauru). Em 09.04.2019, o espólio e a autora da presente ação celebraram acordo naqueles autos, por força do qual esta se obrigou a pagar àquele o valor de R$ 70.000,00 (fls. 24/28). Na presente demanda, a autora pretende reaver tal quantia da Fazenda do Estado, a título de indenização por danos materiais, sob a alegação de que houve falha no serviço prestado pelo Tabelião.

A questão foi recentemente enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 842846, com repercussão geral reconhecida (Tema 777), no qual foi firmada a seguinte tese: “O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.”

A adoção de tal tese não implica, porém, a responsabilização indiscriminada do Estado em tais situações. Sobre o tema, comportam transcrição as considerações expendidas pela Desembargadora Silvia Meirelles na Apelação n. 1006952-56.2019.8.26.0278, da 6ª Câmara de Direito Público j. 14.10.2020:

Conforme se verifica do noticiado no Informativo 932 do C. STF, in verbis:

“O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.

Essa foi a tese fixada pelo Plenário, ao negar provimento, por votação majoritária, a recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (tema 777), interposto pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão que o condenou ao pagamento de indenização por danos decorrentes de erro na elaboração de certidão de óbito, que impediu viúvo de obter benefício previdenciário. O ministro Marco Aurélio foi o único a votar contra a tese.

A maioria dos ministros reafirmou entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à responsabilidade direta, primária e objetiva do Estado, contida na regra prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF/1988), pelos danos que tabeliães e oficiais de registro, no exercício de serviço público por delegação, causem a terceiros. Também fixou orientação no sentido do dever estatal de acionar regressivamente o agente público causador do dano, por dolo ou culpa, considerando o fato de a indenização ser paga com dinheiro público.

Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux (relator), que rememorou a jurisprudência da Corte sobre a matéria e afastou a possibilidade de se extrair a responsabilidade objetiva dos notários e registradores do art. 37, § 6º, da CF/1988.

Salientou a natureza estatal das atividades exercidas pelos tabeliães e registradores oficiais. Essas atividades são munidas de fé pública e se destinam a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade. Ademais, consoante expressa determinação constitucional, o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público, e os atos de seus agentes estão sujeitos à fiscalização estatal (CF/1988, art. 236). Segundo o ministro Fux, não obstante os serviços notariais e de registro sejam exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, a responsabilidade civil desses agentes públicos está disciplinada, de forma expressa, em norma de eficácia limitada, na qual ficou definida a competência do legislador ordinário para regular a matéria (CF/1988, art. 236, § 1º). Isto é, a própria Constituição Federal retirou o assento constitucional da regulação da responsabilidade civil e criminal dos notários, relegando-a à autoridade legislativa. Frisou, no ponto, que o art. 22 da Lei 8.935/1994, na redação dada pela Lei 13.286/2016, regulamenta o art. 236 da CF/1988 e prevê que os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. A disciplina conferida à matéria pelo legislador consagra a responsabilidade civil subjetiva dos notários e oficiais de registro. Portanto, não compete ao STF fazer interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime jurídico da responsabilidade civil de notários ao das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (CF, art. 37, § 6º).

Ademais, ressaltou que o art. 37, § 6º, da CF/1988 se refere a “pessoas jurídicas” prestadoras de serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente como “pessoas naturais” delegatárias de serviço público, nos termos do referido dispositivo legal.”

Dessa forma, os prejuízos causados por atos dos tabeliães e registradores oficiais, no exercício de suas funções, é de responsabilidade objetiva do Estado, o qual tem o dever de ajuizar a ação regressiva contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa.

Entretanto, embora se trate de responsabilidade objetiva estatal, verifica-se que o Direito Brasileiro se aliou à Teoria do Risco Administrativo, de modo que não é sempre que o Estado é obrigado à indenizar.

Na lição de HELY LOPES MEIRELLES, o legislador apenas cobriu o “risco administrativo” na atuação ou inação dos servidores públicos. Porém, não responsabilizou objetivamente a Administração por “atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos a particulares” (in “Direito Administrativo Brasileiro”. Editora RT, 15ª edição, 1990, pág. 552).

Sob este prisma, considerando a adoção da referida teoria, observa-se a possibilidade de incidência das chamadas causas excludentes do nexo causal, v.g., o caso fortuito e força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro.

E, foi justamente este o caso dos autos.

Isto porque se verificou a ocorrência de fato de terceiro, capaz de quebrar o nexo de causalidade entre a atuação do delegatário e os danos experimentados.

O fato de terceiro pode ou não configurar uma causa excludente da responsabilidade civil, conforme o caso.

Quando o terceiro participa de modo total na causação do dano, ou seja, quando o dano se dá em razão de ato exclusivo do terceiro, somente a ele é imputável a responsabilidade, posto que neste caso o terceiro agiu de forma a eliminar o vínculo de causalidade entre o dano e a conduta do agente.

Este é o único caso em que o fato de terceiro importa em exoneração de responsabilidade.

Se, por outro lado, o terceiro atua de modo parcial na causação do dano, seja como partícipe ou como elemento concorrente no desfecho prejudicial, não ocorre a circunstância excludente da responsabilidade, respondendo o agente pelo resultado danoso (cf. RUI STOCO, in “Responsabilidade Civil e Sua Interpretação Jurisprudencial”, Ed. RT, 1994, p. 64). (…)

No caso, o terceiro estelionatário foi o responsável exclusivo na causação do evento danoso, posto que, se utilizando de terceira pessoa que se passou pela verdadeira proprietária do veículo, e, utilizando-se de documento de identidade falso (com foto e assinatura da falsária), abriu firma utilizando-se daquele documento, com a presença da pseudo vendedora do veículo, fato que induziu em erro tanto o comprador de boa fé, quanto o Tabelião de Notas, o qual não tinha a menor condição, diante da situação assim posta, de aferir a falsidade que não fosse grosseira. (…)

Assim, constata-se que a conduta do tabelião não foi a causa determinante do evento danoso narrado na inicial, mas, sim, a atuação do falsário unida à concorrência de culpa da autora, por sua própria incúria, razão pela qual fica excluída a responsabilidade civil estatal pelos fatos ocorridos. (g.n.)

Essas razões de decidir, que adoto, aplicam-se a este caso e demonstram a necessidade de reforma da sentença, uma vez que a causa do dano sofrido pela autora não foi a conduta do tabelião, mas fato de terceiro, a saber, a fraude praticada por falsário que se fez passar pelo verdadeiro proprietário do imóvel. Não se pode falar em negligência dos agentes públicos, pois, uma vez que o estelionatário estava munido de documento de identidade recém expedido, com foto e sem rasuras nem quaisquer sinais aparentes de falsificação, simplesmente não era possível aos agentes constatar a fraude, que só poderia ser verificada mediante exame pericial do documento falsificado. Insta registrar que os escreventes que lavraram a procuração pública realizaram todos os atos e conferências de documentos que lhes cabiam, inclusive a consulta do CPF do outorgante na base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (fl. 132). A regularidade da atuação do Tabelião afasta a responsabilidade do Estado.

Nesse sentido já decidiu esta Câmara em casos análogos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. Tabelionato. LF n” 7.357/85, art. 33. Protesto de cheque depois de vencido o prazo para apresentação do titulo. Danos morais. Indenização. – 1. Tabelionato. Responsabilidade. O Estado responde pelos danos causados pelos tabeliães e registradores, ante a natureza pública das funções a eles delegadas. Jurisprudência tranqüila. -2. Protesto de chegue. Danos. O tabelião não tem o dever de analisar a ocorrência de prescrição ou caducidade do título; tem o dever de analisar as formalidades constitutivas do título executivo e proceder à lavratura e registro do protesto nos termos requeridos pelo credor. Art. 3o e 9° da LF n° 9.492/97. Responsabilidade do Estado afastada ante a regular atuação do tabelião. Precedente deste Tribunal. – Improcedência. Recurso da autora desprovido.

(Apelação Cível 9094328-27.2004.8.26.0000; Relator (a): Torres de Carvalho; Data do Julgamento: 01/03/2010)

RESPONSABILIDADE CIVIL – Imóvel – Contrato de compra e venda Cartório de Notas – Reconhecimento de assinatura – Erro grosseiro – Estelionato – Perda do imóvel – Nexo de causalidade – Não configuração – Danos materiais e morais – Impossibilidade: -– Seja a responsabilidade da Administração objetiva ou subjetiva, é sempre indispensável a prova do nexo de causalidade, sem o qual não há dever de indenizar.

(Apelação Cível 0014311-17.2012.8.26.0053; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Data do Julgamento: 10/06/2019)

No mesmo sentido, os seguintes precedentes deste Tribunal: Apelação Cível n. 0253364-88.2009.8.26.0000, Rel. Des. Sidney Romano dos Reis, 6ª Câmara de Direito Público, j. 03.12.2012; Apelação Cível n. 0029631-06.2010.8.26.0562, Rel. Des. Isabel Cogan, 12ª Câmara de Direito Público, j. 18.10.2017; e Apelação Cível n. 1042394-55.2014.8.26.0053; Rel. Des. Rubens Rihl, 1ª Câmara de Direito Público, j. 13.06.2019.

Não bastasse tudo isso, é importante ressaltar que o acordo judicial firmado nos autos de n. 1014133-55.2016.8.26.0071, entre a autora e o espólio do legítimo proprietário do bem, pelo qual ela se obrigou ao pagamento da quantia de R$ 70.000,00, foi fruto de sua espontânea vontade e não contou com a anuência do Estado, que nem sequer foi parte naquela demanda.

Por fim, importa também ressaltar que não ficou esclarecido como foi produzido e obtido o documento de identidade falsificado, mais uma circunstância a corroborar a conclusão no sentido de que o Estado não pode mesmo ser responsabilizado pelo pagamento da pretendida indenização.

Por todo o consignado, o recurso comporta provimento para que a ação seja julgada improcedente. Em consequência, os ônus sucumbenciais deverão ser suportados pela autora e, em atendimento ao disposto no art. 85, § 11, do CPC, os honorários advocatícios devem ser arbitrados em 11% do valor da causa atualizado, nos termos do art. 85, §4º, III do CPC.

Pelo meu voto, dou provimento ao recurso para julgar a ação improcedente, invertidos os ônus de sucumbência, nos termos expostos.

ANTONIO CARLOS VILLEN

RELATOR – – /

Dados do processo:

TJSP – Apelação Cível nº 1017388-16.2019.8.26.0071 – Bauru – 10ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. Antonio Carlos Villen – DJ 09.03.2021

Fonte: INR Publicações

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Corregedoria informa sobre o funcionamento dos Cartórios durante o lockdown

A Associação de Notários e Registradores do Estado do Ceará (Anoreg-CE) informa sobre a edição do Provimento no. 08/2021, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Ceará que estipula horários e condições para o funcionamento dos cartórios cearenses durante a atual fase de lockdown, tendo em vista as determinações do

Decreto nº 33.992 do Governo do Estado do Ceará, de 20 de março de 2021.

De acordo com a Corregedoria, os cartórios devem funcionar abertos ao público, mediante agendamento, de 9h às 12h, com uma capacidade máxima de até dois atendimentos simultâneos. O período da tarde é destinado ao expediente interno e atendimento remoto.

O Provimento da Corregedoria trata ainda de questões específicos do Registro de Imóveis e detalha algumas questões relativas a inventário e partilha.

Veja o Provimento na íntegra aqui.

Fonte: Anoreg/CE

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