CSM/SP: Apelação – Dúvida – Negativa de registro de escritura de venda e compra – Dois vendedores identificados por RG, RNE E CPF – Matrícula em que constam apenas o RG e o CPF destes dois proprietários – Coincidência nos números de RG e CPF e demais elementos – Inexistência de dúvida quanto à identidade das pessoas – Impossibilidade de obtenção do CPF da vendedora italiana já identificada pelo RG – Interpretação do princípio da especialidade subjetiva – Substituição da indicação do CPF pela menção da filiação – Inteligência do art. 176, 4, “a” da lei n.º 6.015/73 – Recurso a que se nega provimento com observação.


  
 

Apelação Cível nº 1001927-51.2020.8.26.0238

Espécie: APELAÇÃO

Número: 1001927-51.2020.8.26.0238

Comarca: IBIÚNA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1001927-51.2020.8.26.0238

Registro: 2022.0000869425

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1001927-51.2020.8.26.0238, da Comarca de Ibiúna, em que são apelantes VALDIR SALLES TRIGHETAS e IUQUIM ELIAS FILHO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE IBIÚNA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, com observação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 20 de outubro de 2022.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1001927-51.2020.8.26.0238

APELANTES: Valdir Salles Trighetas e Iuquim Elias Filho

APELADO: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ibiúna

VOTO Nº 38.817-– Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

Apelação – Dúvida – Negativa de registro de escritura de venda e compra – Dois vendedores identificados por RG, RNE E CPF – Matrícula em que constam apenas o RG e o CPF destes dois proprietários – Coincidência nos números de RG e CPF e demais elementos – Inexistência de dúvida quanto à identidade das pessoas – Impossibilidade de obtenção do CPF da vendedora italiana já identificada pelo RG – Interpretação do princípio da especialidade subjetiva – Substituição da indicação do CPF pela menção da filiação – Inteligência do art. 176, 4, “a” da lei n.º 6.015/73 – Recurso a que se nega provimento com observação.

Cuida-se de apelação interposta por VALDIR SALLES TRIGHETAS IUQUIM ELIAS FILHO contra a r. Sentenç (fls. 92/98), proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Ibiúna, que julgou procedente a dúvida e manteve os óbices ao registro da escritura pública de venda e compra.

A Nota de Exigência de fls. 25 indicou como motivos de recusa do ingresso do título:

“Apresentar cópia autenticada da cédula de identidade para estrangeiro RNE do transmitente, sr. GIORGIO FERRETTI, considerando que na matrícula do imóvel, o mesmo está qualificado com a sua identidade antiga (Rg n.º 5.489.752-SSPSP), enquanto na escritura apresentada, consta a sua nova cédula de identidade para estrangeiro como sendo RNE n. W-415.160-XSE/DPMAF/DPF. (exigência solicitada por ocasião da Suscitação de Dúvida julgada).

Apresentar cópia autenticada da cédula de identidade de estrangeira RNE, da transmitente Cristina Ferretti Bilenky, visto que na matrícula a mesma encontra-se qualificada com a sua identidade antiga (Rg. n. 5.588.493-SSPSP), e na escritura apresentada, consta a sua nova cédula de identidade para estrangeiros n. W-415.161-V-SE/DPMAF/DPF (exigência também solicitada na oportunidade da Suscitação de Dúvida já julgada).

Apresentar cópia autenticada do CPF/MF da Sra. FREDERICA FERRETTI BUSANI, também conhecida por FEDERICA FERRETTI BUSANI, por ser exigência fiscal e registral (exigência também solicitada anteriormente, por ocasião da Suscitação de Dúvida já julgada).”

Sustentam os recorrentes, em suma, que Valdir Salles Trighetas é arrematante do imóvel telado; as partes estão bem identificadas; a vendedora Sra. Frederica Ferretti Busani é italiana e jamais residiu no Brasil, não sendo possível obter seu CPF, que poderá ser substituído por sua filiação.

A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 146/149).

É o relatório.

De proêmio cumpre consignar que, a despeito do apontado na exordial pelo Oficial Registrador, a dúvida anteriormente suscitada (autos nº 1002170-63.2018.8.26.0238) foi julgada prejudicada e o recurso não foi conhecido (fls. 58/60).

Dito isso, cuida-se de registro de escritura pública de venda e compra em que figuraram como partes Giorgio Ferretti; Cristina Ferretti Bilenky e Frederica Ferreti Busani, também conhecida por Federica Ferreti Busani e Asia Motors do Brasil S/A.

O apelante Valdir Salles Trighetas é arrematante do imóvel.

Em referido ato notarial os proprietários compareceram como vendedores com as seguintes qualificações: Giorgio Ferretti, RNE n. W-415.160-XSE/DPMAF/DPF, antes RG n.º 4.489.752-SP (rectius: 5.489.752-SP) e CPF/MF n.º 404.439.149-34; Cristina Ferretti Bilenky, RNE n.º W-415.161-VSE/ DPMAF/DPF, antes RG n.º 5.588.493-SP; CPF/MF n.º 756.748.158-87 e Frederica Ferretti Busani, também conhecida por Federica Ferretti Busani, RG n.º 5.588.492.

Da matrícula n.º 4.637, por seu turno, constam como proprietários: Giorgio Ferretti, RG n.º 5.489.752-SP e CPF/MF n.º 404.439.149-34; Cristina Ferretti Bilenky, RG n.º 5.588.493-SP; CPF/MF n.º 756.748.158-87 e Frederica Ferretti Busani, também conhecida por Federica Ferretti Busani, RG n.º 5.588.492.

Funda-se a recusa do registrador no princípio da especialidade subjetiva, cuja finalidade é identificar, individualizar, aquele que está transmitindo ou adquirindo algum tipo de direito no registro de imóveis, tornando-o inconfundível com qualquer outra pessoa.

Ao Oficial Registrador cabe a qualificação dos títulos que lhes são apresentados para evitar a prática de atos atentatórios aos princípios básicos do direito registral ou que tornem insegura e não concatenada a escrituração.

Nesta ordem de ideias, a falta da qualificação do vendedor violaria o princípio da segurança jurídica que norteia os atos registrários, uma vez que gera a ocorrência de dúvida em relação à real identidade deles.

Contudo, é preciso bem aquilatar o sentido e a extensão do referido princípio.

No que tange a Giorgio Ferretti e Cristina Ferretti Bilenky, a despeito de não constar da matrícula os números de RNEs, certo é que do ato notarial e também da matrícula constam os números de RG, bem como de CPF, por meio dos quais se afigura suficiente a identificação dos vendedores, o que autoriza a mitigação do princípio da especialidade subjetiva, afastando-se, pois, os óbices ofertados.

A vendedora Federica Ferretti Busani, por seu turno, está identificada apenas pelo RG n.º 5.588.492, não constando o número de CPF, exigência apresentada pelo Registrador e mantida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente.

Não se desconhecem a Instrução Normativa n.º 1112, de 28 de dezembro de 2010, e o subitem 61.3 do Cap. XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, os quais dispõem ser elemento obrigatório o CPF das pessoas físicas participantes de operações imobiliárias.

Essa situação concreta mostra um limite da abrangência da especialidade subjetiva.

O recorrente Valdir Salles Trighetas é arrematante do imóvel telado levado à hasta pública nos autos de execução em que figurou como executada a compradora Asia Motors do Brasil S/A. Não ostenta, pois, qualquer relação com a vendedora e tampouco legitimidade para requerer a inscrição no CPF da italiana Federica Ferretti Busani.

O ato notarial foi lavrado em 2000. Ao que consta, a vendedora italiana nunca residiu no Brasil e por ocasião da escritura pública de venda e compra se fez representar por seu genitor, Giorgio. Constado ato notarial, ademais, ser sua residência em Reggio Emilia, Itália.

Assim, considerando que o Registro Geral, na Secretaria de Segurança Pública, é conhecido e consta da matrícula telada e em face da inviabilidade de obtenção do CPF de dita vendedora, impõe-se, no caso concreto, aplicar-se o que dispõe o art. 176, “4”, “a” da Lei n.º 6.015/73, ou seja, a substituição pela filiação, in verbis:

“4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como:

a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação;”

Outro não foi o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação – Promitente vendedor falecido – CPF/MF inexistente – Exigência afastada – Impossibilidade de cumprimento pela apresentante – Princípio da segurança jurídica – Princípio da razoabilidade – Dúvida improcedente – Recurso provido.” (Apelação n° 0039080-79.2011.8.26.0100, CSM, Rel. DES. JOSÉ RENATO NALINI, 20/09/2012).

Relevante destacar o seguinte trecho do V. Acórdão:

“(…) Assim, para não sacrificar a segurança jurídica e a publicidade, é de rigor flexibilizar, in concreto, a severidade do princípio da especialidade subjetiva, dispensado a informação sobre o número do CPF/MF de Henri Marie Octave Sannejouand, cujo número de inscrição do Registro Geral é, de mais a mais, conhecido e consta da matrícula do imóvel (RG n.º 75.149 – mod. 19 – fls. 07), em sintonia com a carta de arrematação (fls. 23). A especialidade subjetiva, se, na hipótese, valorada com excessivo rigor, levará, em desprestígio da razoabilidade, até porque a exigência não pode ser satisfeita pela interessada, ao enfraquecimento do princípio da segurança jurídica, o que é um contrassenso. Com a exigência, o que se perde, confrontado com o ganho, tem maior importância, de sorte a justificar a reforma da sentença: a garantia registaria é instrumento, não finalidade em si, preordenando-se a abrigar valores cuja consistência jurídica supera o formalismo (…)”.

Entretanto, a despeito do afastamento dos óbices impostos pelo Registrador, o recurso não comporta provimento em razão da ausência de demonstração da filiação da vendedora Frederica, o que, contudo, poderá ser facilmente obtido pelos recorrentes, quer a partir dos autos do arrolamento de bens da genitora Maria Nunciata Marani Ferretti ou por meio dos documentos arquivados junto ao 26º Tabelião de Notas da Comarca da Capital.

Por essas razões, pelo meu voto, nego provimento ao recurso, com observação.

FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 03.03.2023 – SP)

Fonte: INR Publicações.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias.

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